Deu no Jornal

Tiro 226

Gazeta do Commercio trazia uma notícia delicada a 101 joinvilenses no começo de junho de 1917. Tratava-se de uma convocação, na verdade, publicada a pedido do 1º Tenente Antonio Bricio Guilhon e endereçada aos reservistas de segunda categoria. Esses deveriam se apresentar à Linha de Tiro 226, dali a uma semana, para uma tarde de “instrucção militar”.

 

Parecia algo simples, mas não só aqueles eram os tempos da Primeira Guerra Mundial, como aos convocados não bastava comparecer no dia marcado – eles tinham que dominar um vasto e detalhado conteúdo. A Gazeta pelo menos se dispunha a ajudar, dedicando quase uma página inteira da edição a listar as 104 perguntas (e respectivas respostas) que os reservistas deveriam saber.

 

Uma coisa fica clara a qualquer um que leia a relação: sem boa memória não se ia a lugar nenhum na vida militar da época.

 

sacktrick.com   UniformesEssa ilustração mostra como eram os uniformes usados pelos reservistas de diferentes Tiros de Guerra no Brasil na época de que trata o questionário publicado pela Gazeta do Commercio. Como se vê, havia algumas pequenas diferenças entre eles.

 

Tiros de guerra

 

Os tiros de guerra (ou linhas de tiro, como também eram conhecidas) têm sua origem nas sociedades de tiro ao alvo com fins militares. A primeira delas surgiu no Rio Grande do Sul, em 1902, mas foi só a partir de 1916 que esse tipo de associação começou a se espalhar pelo país, impulsionadas pela campanha de Olavo Bilac, que queria instituir o serviço militar obrigatório no Brasil (leia mais na Edição 11 do Jornal Retrô).

 

Enxergando a oportunidade de formar reservistas em um período em que o Exército Brasileiro ainda não tinha a capilaridade atual, a criação dos tiros de guerra passou a ser estimulada pelo governo federal, especialmente nas localidades em que os militares não estavam presentes – como a Joinville da época, por exemplo.

 

Integrar esse tipo de sociedade não era de todo mal, como a Gazeta deixa claro na mesma edição em que publicou a convocação. Naquele tempo os convocados (ou sorteados) para o Exército tinham que viajar a Florianópolis para receber treinamento, enquanto os reservistas do Tiro 226 podiam passar pelo processo na própria cidade.

 

Além disso, o “Reservista” tinha direito a alguns privilégios, como apontava o jornal, oferecendo um estímulo à intensa atividade de memorização que os recrutas tinham pela frente. Uma vez aprovados, automaticamente eles teriam abatimento em passagens nas estradas de ferro, matrícula gratuita em colégios militares e a preferência para serem nomeados a empregos públicos ou em empresas governamentais.

 

Fusil e distâncias

 

Uma passada de olhos pelo questionário, porém, é suficiente para perceber que chegar lá não era nada fácil. Das cinco colunas de jornal repletas de perguntas, quase duas versavam sobre informações técnicas sobre o fusil.

 

O reservista tinha que saber que a bala pesava “11 grammas e 20 centigrammas”, que “o cano do nosso fusil” tem quatro raias, que o cartucho tinha peso de “25 grammas e 5 centrigrammas”, que a diferença de peso da arma com ou sem o sabre era de 550 gramas e até que a rotação da bala no cano era de “3.180 voltas por segundo”.

 

Entre os ensinamentos de como avaliar distâncias, o questionário chegava ao extremo de descrever como o reservista deveria enxergar os objetos. A 100 metros seria possível distinguir todos os detalhes do uniforme, “como botões, correame etc. e se percebem os olhos das pessoas como manchas escuras. Pode-se contar os botões”.

 

A 150 metros, os detalhes já não eram “bem visiveis, mas vêem-se bem as cores e os traços geraes do corpo”. A 200 metros, as cores ainda podiam ser distinguidas, mas os detalhes ficavam confusos: “os botões da tunica formam uma linha contínua”.

 

A 250 metros, “se vê um individuo, mas não se percebe a separação das pernas nem o bonet”, enquanto a 300 metros perdia-se de vista as mãos, e “só se percebem as cores vivas”...

Gazeta do Commercio 

  09/06/1917

Gazeta do Commercio 

  09/06/1917

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  09/06/1917

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  09/06/1917

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